domingo, 18 de dezembro de 2011

Sem palavras...

E sobre o caso da enfermeira que torturou o Yorkshire até a morte, não consegui ver o vídeo todo. É, eu admito, sou cagão para essas coisas. No mais, não acredito que vendo essa imbecilidade iria fazer diferenca em nada, apenas me faria sentir mais impotente do que estou agora.
E foi fazendo minhas leituras diárias que encontrei um texto que mais sabiamente tratou desse assunto, com mais verdade e respeito que todos os revoltados de plantão. Portanto Rosana Hermann, faço das suas palavras, as minhas. 


Eu queria tanto dizer isso



Olha, eu não sei olhar nada de um jeito só. Não sei se é porque meus olhos são dois, se porque se movem sem parar, se viciei em pontos de vista múltiplos por causa de todas as dúvidas da existência.
E depois, tem as perguntas, aquelas indagações que dançam ora aos pares, ora em coreografias coletivas em minha cabeça. Daí que eu não sei olhar uma história, uma notícia, uma imagem, sem pensar em todos os personagens, sem me colocar no lugar de cada um deles.
Por isso fico tão abalada com as certezas de tanta gente, essa gente que mal viu, mal ouviu, mal soube e de tudo já sabe, tudo já julgou. Tenho medo das condenações decididas antes que todas as testemunhas sejam ouvidas, das penas impostas de forma simultânea as crimes cometidos.
Tenho medo de muita coisa na vida, especialmente quando a justiça se transmuta em vingança.
A vingança é humana e habita o planeta há tanto tempo quanto as baratas. A vingança também é nojenta, mesmo antes de você pisar sobre ela com o sapato. A vingança tem status de diva, é cultuada como pop star, mas não é só lixo embalado pra presente. A vingança é o crime doloso, a crueldade saboreada, o prazer perverso que se acredita justificado. A vingança é tão doente que quase celebra a dor sofrida, o mal vivido, aquele que 'justifica' a existencia da reciprocidade do mal. É quase como dizer "que bom que me fizeram sofrer porque AGORA posso praticar o mesmo crime sem ser condenada'.
Eu sei que é fácil falar quando nunca se sentiu a dor do abuso, da tortura psicológica ou outra maldade desestruturante. Mas, ainda assim, não há justiça na vingança. A vingança é individual, a justiça é coletiva. A vingança é passional, a justiça é racional. A justiça bem aplicada pode recuperar um criminoso, a vingança nele só se reproduz.
Não escrevi nada sobre o caso da mulher que torturou e matou o cachorrinho porque não consegui ver o vídeo. Evitei vê-lo de todas as formas, porque sei que as imagens vão me assombrar. Foi difícil não ver os fotogramas em todo lugar, as chamadas na TV. Mesmo assim não assisti ao vídeo inteiro, não quis
Tentei fazer vários posts sem sucesso. Eu escrevia e apagava, escrevia e apagava. Porque não era eu ali no texto, mas minha raiva, a revolta, a indignação que todos nós sentimos. Indignação que só aumentou quando a agressora tentou se explicar dizendo que o cachorrinho era terrível, 'uma peste' ou algo assim. Como se qualquer comportamento de um cachorro indefeso e pequeno pudesse justificar o tamanho da violência que ela cometeu.
Pensei muito sobre toda esse caso. Primeiro pensei no que faz uma pessoa agir assim. Será que a maldade é algo latente, como uma doença incubada, que um dia se manifesta? Será que ela sentiu remorso? Prazer? Isso que é uma visível covardia pra quem vê, parece o que é para quem faz? Ou quem faz isso apenas age como um bárbaro, sem motivação e consciência?
Depois pensei na crueldade premeditada. Quando eu era pequena fiquei chocada ao saber que existia gente que furava os olhos de um pássaro pra que ele "cante melhor". Está na letra da canção Assum Preto. Essa mulher, premeditou isso? Ela fazia sempre isso? O que aconteceu para que uma pessoa tão jovem, de 22 anos, chegasse a isso? As pessoas são assim ou elas se tornam assim?
Não sei responder. Só sei que as imagens que vi, tudo que li e ouvi, me fizeram pensar muito. Na sede de linchamento do povo, nas criaturas que se aproveitam para brincar com perfis falsos, nos tontos que criam mentiras no Facebook, nos milhares de bobos que acreditam nos boatos, nos oportunistas que usam um momento tão horrível para buscar popularidade. Na criança estigmatizada por ter essa mãe publicamente cruel, no marido que é médico. E sobretudo, no vídeo.
Sim, porque o vídeo é real. E reprodutível. Podemos olhar  e olhar  e olhar. E ao rever, podemos odiar novamente, e sofrer outra vez. Mesmo sabendo que o bichinho morreu, que aconteceu há semanas, a dor está ali, a violência, tudo está ali. E é real. E as perguntas pululam dentro da indignação, brotam do nosso desejo de querer reverter a cena, de salvar o Yorkshire. A gente quer questionar a pessoa que gravou, e perguntar por que ela não interrompeu, por que não evitou, por que não tocou a campainha, porque não foi lá e chacoalhou aquela louca naquele instante.
O fato do vídeo estar ali e existir e se mostrar tão cruamente nos transtorna. Porque não é ficção, edição, interpretação, é registro da realidade. E nada por justificar o ato, amenizar a dor ou mudar o fato. Não há nada que um serzinho de dois quilos possa ter feito para 'merecer' qualquer tipo de violência de um humano.
E agora que tudo já aconteceu, já foi consumado, o que nós queremos, de verdade? Queremos justiça ou vingança? Queremos o que dessa pessoa?  Queremos fazer com ela o que ela fez com o cachorrinho? Queremos liberar nossa crueldade 'justificada' e ficar imaginando torturas hediondas para ela? É essa a nossa perspectiva de justiça?
Bom, eu sei mais ou menos o que eu acho, o que desejo, como parte da sociedade em que vivo. Eu quero leis mais severas para quem maltrata animais. Eu quero que os autores de tamanha violência passem pelas medidas punitivas que forem necessárias, sejam elas de reclusão em presídios ou internação em clinicas psiquiátricas, para que em primeiro lugar ela saia do convívio social pagando com a supressão da liberdade pelo crime que já cometeu; em segundo, para que use este tempo para tomar consciência da brutalidade que cometeu, para que ela veja do jeito que a sociedade vê. E, terceiro, para que ela nunca pratique o crime.
Confesso que li muita coisa absurdas nas redes sociais. Afirmações de pessoas que pareceram tão inaceitáveis quando o próprio ato cometido. Vi de tudo mesmo, desde pessoas que acham que estamos 'gastando tempo demais' com um animal quando há tantas crianças torturadas e abusadas, como se a humanidade inteira agisse e sentisse de forma ordenada, seguindo uma lista interplanetária de prioridades, até sugestões de torturas para a criminosa. E, claro, piadas, boatos, caronistas querendo aparecer num assunto polêmico.
Eu só sei que estamos vivendo um tempo diferente. Agora a tecnologia permite o registro de tudo de melhor e pior que a humanidade sempre fez. Agora temos provas e, portanto, podemos punir. Agora podemos nos ver como sociedade.  Mas é preciso que o ser humano também evolua. E que lute por uma sociedade justa e por leis mais severas. E não pelo linchamento sumário a partir da vingança popular. Caso contrário não seremos diferentes em nada dos que levantavam seus dedões no Coliseu para dizer quem deveria morrer e quem deveria ser poupado. Confundir justiça com 'likes" do Facebook numa página de vingança é simplesmente inventar a barbárie em versão online.
 @rosana Blog Querido Leitor